'Ela' e 'Ele'. Talvez juntos sejamos muito mais do que uma simples palavra. Talvez passemos de fantasmas a memórias vivas.
Cinco minutos para fazer a diferença. Tenho a certeza de que é o único tempo que me resta. Nada mais e nada menos - é impressionante como toda uma vida se pode perder numa questão de segundos, num ciclo de casualidades que se juntam num pacto malicioso para nos conduzirem ao abismo.
Aproximo-me do carro deles, já a consigo ver daqui, já consigo sentir o seu cheiro, mesmo sem a olhar é fácil deixar-me levar pela memoria dos seus olhares discretos, ou indiscretos, que usurpam o meu trono sem licença.
- Boa tarde... Desculpem estar a incomodar, sei perfeitamente que está de partida mas precisamos de ter uma conversa rápida que poderá fazê-lo mudar de planos... Se não se importar, é realmente importante. - o pai dela olha para mim, demora-se no meu rosto e consigo ver as imagens que lhe trespassam a mente, as recordações de outros tempos, as de ontem, as de um passado mais longínquo. Tenho a certeza que lhe ocorrem momentos que já julgara esquecidos, Homens que considerava levados pelo tempo para sempre... histórias que eu insisti em desenterrar, por bem ou por mal, mas que há muito necessitavam de um velório apropriado.
Ele afasta-se da família, ela vê-me e entra para dentro do carro, esconde-se de mim, não me quer por perto, percebo.
- Diz lá o que tens a dizer rapaz, a minha família não precisa de mais alguns minutos de sofrimento, já tivemos uma dose suficientemente grande nos últimos dias.
- Tenho a certeza que vai valer a pena, esteja descansado. - entrego-lhe o papel que me queima no bolso das calças, a ansiedade que me tem acompanhado desde que o guardei comigo começa a desfazer-se em pedaços mais pequenos, quase que se esfuma no ambiente pesado que nos envolve. Sei que sou o portador da chave que os pode libertar a todos, sei que tenho o controlo sob três vidas distintas, sei que posso controlar o futuro Dela e, no entanto, a ideia assusta-me mais do que me agrada.
- O que é isto? - fala comigo num tom quase silencioso, como se não fosse suposto eu ouvir a pergunta, como se não se tratasse nada mais nada menos de uma questão retórica que não espera por resposta alguma uma vez que ele já a conhece desde que me viu retirar o papel amarrotado das calças.
- Acredito que sabe do que se trata. É uma escritura, uma escritura desta casa que a entrega na totalidade à sua filha até que ela decida o contrário. Também tenho a certeza que sabe que ela me pertencia a mim desde a morte do seu pai. Existem pessoas grandiosas que não precisam de sangue para formar família.
Ele oferece-me um olhar severo envolto numa espécie de gratidão receosa, não está habituado a dar o braço a torcer, tenho a certeza. Sempre foi e sempre será difícil para um homem que ama a sua família ter a certeza que não a conseguiu proteger como devia.
- Obrigado, não restam muitas outras palavras. Acaba de me oferecer um passaporte para uma felicidade incalculável, ficamos-lhe eternamente gratos. Mas, desculpe... desculpa perguntar-te, ... porquê?
- Porque tal como o seu pai, eu não preciso de sangue para formar família.
Começo a afastar-me num passo rápido, tenho de sair dali o mais depressa possível. Ela não pode saber tão depressa do que eu fiz, ela não pode descobrir agora toda a verdade. Ela não pode descodificar a mentira, é demasiado perigoso, é demasiado arriscado.
Continuo a caminhar em direcção ao nada, agora que limpei todas as teias que se tinham instalado no meu âmago sinto-me, ao contrario do que esperava, mais vazio do que nunca. Posso tê-la perdido para sempre mas não tinha o direito de lhe roubar a vida.
Ao menos que seja eu a viver na obscuridade de não ter futuro, passado ou presente recheado de memórias.
A carrinha esperava lá fora. Olhava para a casa como um adeus, e até para a avenida onde morava, sabendo que para esta última não era um adeus definitivo. Seria o começo de uma nova fase, mas não de uma nova vida, era demasiado bom.
Observava cada pequeno pormenor com uma certa pena em abandoná-lo. Ainda teria de vir para a escola, e com certeza passaria por aquela zona para relembrar tudo o que passei ali, a minha infância, o meu início de vida.
A mobília já tinha ido toda no camião do dia anterior, apenas restava um ou outro objecto mais pessoal, e estávamos prontos para nos mudarmos.
Lembrei-me que com tanta confusão tinha me esquecido do telemóvel – tenho sempre de me esquecer de alguma coisa.
Pedi a chave ao meu pai e subi rapidamente ao meu apartamento, no segundo andar. Arrepiei-me a sentir o silêncio percorrer todo o espaço vazio da divisão. As paredes estavam nuas tal como me lembro de as ver no inicio de tudo. Passou rapidamente um flashback de um momento engraçado em que comecei a pintar as paredes da casa para ficarem mais bonitas; e em vez dos meus pais me castigarem ou me baterem, pintaram também. Só mais tarde vim a descobrir o porque da calma, o meu pai já ia pintar as paredes para mudar a sua cor.
Das mobílias que tivemos de deixar, nada nos fazia falta, felizmente. Na sala ficou uma secretária velha cheia de gavetas agora vazias e um relógio bem alto, acompanhado à sua esquerda por um sofá preto. Na cozinha ficou tudo, nada foi mudado e por isso, teve tudo de ficar. Nos quartos ficaram as camas e os guarda-fatos embutidos – nem imagino como os tiraríamos de lá, caso fosse preciso.
Ali estava o meu telemóvel da geração passada, estendido junto a uma das pernas da cama, peguei nele e dirigi-me à saída.
Sabia perfeitamente que agora era o adeus final, não havia mais nenhuma desculpa para voltar atrás, nem nenhuma solução que desfizesse o enredo.
Aproximei-me do carro onde já me esperavam os dois, e virei-me esperançosa, uma última vez; o último adeus a tudo e a Ele, caso ele decidisse aparecer. Apenas as crianças brincavam à macaca; tinha de entrar. Foi bem melhor assim, não haveria despedidas e assim é muito melhor esquecê-lo. E esta vez é definitiva!
Foi então que a sua voz me acordou do zumbido do vento a passar. Era Ele. Bem tinha Ele razão, tanto sabia entrar nas alturas certas, como aparecer quando não o queria ver.
Porque tem ele de tornar as coisas tão difíceis?
Hoje fui pela primeira vez, uma tarde à praia, este ano. Reparei que as pessoas não mudam, que o povo português continua a ser o mesmo, que as tendências não mudaram e que a única coisa que se modificou foi o aumento da celulite nos nossos corpos jovens. Comove-me que demos tanto valor à nossa desgraça como ao que damos à nossa saúde.
Mas, voltando ao assunto principal.
Nesta tarde, lá mesmo no meio do areal, pude assistir a um dos melhores espectaculos humanos existentes sem ensaio previo, puro improviso minha gente - e com uma coordenação prefeita! Aconteceu tudo numa fracção de segundos, segundo estava o povo todo deitado nas suas toalhinhas ou a mandar a bola ao ar, segundo estava a o povo todo a correr para um determinado ponto da praia a fim de criar um dos maoires aglomerados de pessoas imprevistos. Digno de Guiness!
Como qualquer pessoa com curiusidade apurada, fiquei realmente interessada em conhecer o motivo que levou, mais de trinta - e sem exagero - jovens a largarem os seus belos postos exibicionistas. Venho a descobrir que o ACONTECIMENTO, o motivo de tanta agitação... foi um belo de um murro filtrado por muita especulação que um sujeito ofereceu a um outro sujeito.
Conclui na altura que adoro o povo português e que, muito infelizmente, continuamos com tanta inteligencia quanto é premitido às galinhas possuirem.
BOA portugas! O mundo a acabar e vocês andam interessados em anatomia humana sem prazer instantaneo. É que nem se trata de sexo, e nem sequer foi um bom murro. Estragaram um areal lindissimo e uma bela de uma fotografia que estava a tirar. Adoro Sócrates.
Deito-me sob os lençóis frescos e generosos da cama e deixo-me afundar nos meus próprios pensamentos... Estou demasiado perdido, não me consigo lembrar de uma outra palavra que descreva melhor o que estou a sentir.
Percorro o resto da cama com a mão e tento encontrar uma presença que eu sei que não existe e que nunca existiu mas pela que mesmo assim anseio. É fantástico como a falta dela me pode toldar facilmente os sentimentos, é fantástico como a sua simples ausência consegue fazer com que todos os planos maravilhosos que tinha traçado percam o sentido. Arrghhhh, preciso mesmo de ir dar uma volta, espairecer um pouco.
Levanto-me da cama, saio para a rua e encaro o sol poderoso que se ergue a cima das nossas cabeças, comuns mortais que passeamos ao sabor do vento, meros brinquedos das suas fantasias mais cruéis. Começo a caminhar sem rumo, não estou certo - mais uma vez - para onde me dirijo, a única coisa que sei é que preciso de caminhar um pouco. Caminhar sempre me ajudou a pensar, a organizar as ideias, a separar os problemas bons dos problemas maus, a organizar memórias e a apagar desilusões. Caminhar sempre me ajudou imenso, por isso agora, do que eu preciso mesmo é de caminhar, caminhar um pouco - apenas o suficiente para conseguir respirar com calma de novo.
Avanço num ritmo frenético, com um passo rápido e seguro, não me apetece olhar à volta e enfrentar olhares de estranhos, tenho medo que se apercebam da dor imensa que imerge de dentro de mim. Continuo a caminhar, não paro, não consigo. Estão-me a doer as pernas mas parar agora parece-me uma ideia impossível, eu preciso de pensar, de fazer com que pare de doer! E pronto, foi quando aconteceu. Aquele cheiro, aquele odor, aquele aroma enlouquecedor encontrou-me sem mais nem menos e eu caí como que num abismo de olhos abertos, postura hirta. Ela.
Ela tinha acabado de passar por mim, posso afirmá-lo, Ela acabou de passar por mim! Como é que é possível que os meus olhos não a tenham encontrado? Que o desejo de lhe tocar que me percorre o corpo não a tenha agarrado?
Talvez porque não tem de ser.
Ligo o mp3 e preparo-me para a verdadeira discussão interna, o debate já começou, chegou a hora de organizar a minha vida, tem mesmo de ser.
I always thought that you'd leave me anyway
But Darling when I see you, I see me.
I asked the boys if they'd let me, Go out and play,
they always said that you'd hurt me anyway,
But Darling when I see you, I see me.
Hoje levantei-me cedo.
Eram umas nove e meia e as minhas pálpebras já se recusavam a fechar, mesmo na escuridão.
Tomei o mesmo pequeno-almoço do dia anterior e reparei mais uma vez no bilhete da minha mãe.
‘O pai falou com a tua tia Lopez e vamos para lá daqui a dois dias. Sei que ainda podíamos ficar mais tempo, até quarta, mas achamos que era melhor partir já. Devemos ficar umas duas semanas em casa dela, e só depois é que iremos para Burgo, a tal terra a cento e cinquenta quilómetros de distância. Deixei uns caixotes no teu quarto para arrumares as tuas coisas, o camião vem buscar as coisas amanhã de manhã’
Custou-me um bocado ler devido ao pequeno tamanho da letra para caber tudo num guardanapo, mas lá me arranjei. Comecei a empacotar as coisas.
Como já era de esperar, demorei a manhã toda apenas a empacotar as tralhas da minha secretária pois em cada objecto que parava – colares ou pulseiras que arrebentaram e que eu me recusei em deitar fora, fotografias antigas que trouxeram aqueles ditos momentos em que tudo era tão simples, um boneco em pedra que fizera na primária, ou até uma barbie já sem uma perna – sentia-me obrigada a remexer um pouco mais na minha memória, para saborear o bom sabor da infância.
Encontrei também o livro que me deram no infantário, com uma fotografia de cada um dos meus colegas. Alguns ainda são da minha turma, mas outros já não vejo desde então. Perguntei-me então o que seria deles.
Almocei, e continuei a demorada tarefa durante o resto da tarde.
Quando o meu pai chegou a casa, já tinha acabado de guardar tudo, e ele levou os caixotes para a entrada – eram demasiado pesados para mim.
Estranhamente não me lembrei mais d’Ele a não ser no sonho. Ele perseguia-me veloz e eu fraca, sofri de um imundo beijo dele que me soube tão bem durante a noite, mas que me repugnou mal que consciencializei de tal acto.
Música no computador e um bom banho para esquecer.
Now I'm left
To forget
About us
But somewhere we went wrong
We were once so strong
Our love is like a song
You can't forget it
Sem notar, já limpa e vestida, uma lágrima escapou-me traiçoeira.
Os caixotes já haviam desaparecido e eu não tinha nada para fazer nesse dia. Todos haviam de estar na escola, todos menos eu. Cruelmente pensei se ele teria voltado também.
Decidi ir dar uma volta, espairecer pela esplanada ventosa, tal como já esperava. O que eu não esperava era vê-lo precisamente a Ele, a passar cruzado a mim. Tentei desviar o olhar, baixar a cara e passar despercebida, mas era demasiado tarde. Fechei os olhos e ouvi o meu coração bater como da primeira vez que o abracei, no funeral. Quando voltei a abri-los, para meu grande espanto, já ele tinha passado por mim sem nada dizer, ignorando-me como a um desconhecido.
Por muito melhor que fosse, senti-me pior do que se a imundice me tivesse invadido.
Corri para casa e desatei a escrever com a dor do momento, baseando-me na última música que tinha ouvido.
‘The past is just a lesson that we've learned.
I won't forget it
Somewhere we went wrong
Our love is like a song
But you won't sing along
You've forgotten (wanting or not)
About Us’
Esta seria a minha carta de despedida. Agora se seria entregue ou não, mais tarde decidiria.
Quando o choque passou, reparei que era melhor assim, eu não podia continuar a viver os dias nesta depressão sem fim. A solução é mesmo esquecê-lo e esquecer também o que se passou entre nós; tal como ele já o havia feito. Rasguei o papel em dois e detei-o janela fora.
E procurava eu uma maneira especial de te dar os parabéns. Infelizmente a minha cabeça apenas me proporcionou uma sms - demasiado típico. Nem sei como fui capaz.
Bem, soube que vens a espinho para o parque de campismo, acho, e duvido que estejas comigo, o que é pena. Gostaria de te dar os parabéns pessoalmente.
Ainda não encontrei a maneira ideal de te 'parabenzar'. Talvez para o ano eu escreva algo de jeito. sim?
E aqui fica o lamechas, banal e mais que usado: ' Feliz Aniversário '
Gustavo' (:
Abro os olhos devagar enquanto me habituo com dificuldade à claridade que já invadiu o meu quarto por esta altura. É impressionante como o tempo me parece estar a passar tão rápido agora, que não tenho tido nada em que pensar senão nela e em tudo o que ela envolve.
Levanto-me da cama com calma, a minha mãe está a cantarolar na cozinha, a voz dela chega-me aos ouvidos como um remédio para a dor da cabeça que acaba de me ameaçar.
- Mã?
- Bom dia, o que foi? - está alegre hoje, parece realmente relaxada pela primeira vez em várias semanas. Não faço a mínima ideia do que a pôs neste estado mas de certo que algo de realmente bom aconteceu enquanto eu passava infernos durante o sono.
- Vou passar uns dias fora, tudo bem? Quero ir a casa da Tia Margarida, tenho a certeza que ela me vai dar uma boa solução para esta embrenhada em que me meti. - espero que engula esta desculpa é que, neste momento, não tenho tempo nem paciência para inventar uma melhor e estou mesmo a precisar de fugir deste fim do mundo por uns dias. O ar está-me a sufocar, sinto que as paredes da casa estão cada vez mais próximas e que a qualquer momento vou ficar aqui preso para sempre.
- Hum? ... Casa da Tia Margarida? Ok... Quanto é que precisas? Bem sabes que não tenho dinheiro para andares a esbanjar...
- Eu desenrasco-me, mamã. Vou preparar as coisas e saiu ao meio-dia, devo voltar na sexta-feira. Ficas bem?
- Claro, claro. Vai lá, querido.
Uffa... Tenho a perfeita noção que para qualquer pessoa que nos observe de fora nós temos uma relação fria e distante, sei que a todas as pessoas parece que a minha mãe não se preocupa minimamente comigo e que ela me dá demasiada liberdade do que a que eu merecia. Mas, a verdade é que nós acreditamos na confiança e ela sabe que pode depositá-la em mim, ela sabe que não vou desapontá-la. Estamos os dois demasiado habituados a só nos termos um ao outro e, como somos os dois duas pessoas independentes, aprendemos a manter um espaço seguro entre nós para que possamos continuar a amarmos-nos sem limites ou metas finais.
Arrumo o essencial dentro de uma mala de lona que me deram quando ainda era muito pequeno, calço as sapatilhas azuis que são as mais confortáveis para longas caminhadas e preparo-me para sair de casa. Desço os degraus da entrada e começo a caminhar para a rua.
O céu está demasiado escuro para um Solstício de Verão, o cinzento inundou o mar azul que costuma ter lugar nesta altura do ano e espalhou nostalgia por todos os cantos do tecto da Terra. As ruas estão vazias, os passeios parecem-me demasiado moles para caminhos seguros, a minha mente está a fazer-se demasiado temerosa do que o que eu gostaria. Não posso ir para casa da tia Margarida, tenho de descobrir um outro sitio qualquer que seja igualmente confortável e não muito dispendioso. Tenho de me sentar umas horas a analisar todas as informações que reuni, tudo o que sei, de forma a desenterrar da areia os dados que preciso para desvendar, de uma vez por todas, a verdade escondida atrás desta enorme mentira.
Do outro lado da rua está um grande reclame luminoso a piscar sem mostrar quaisquer sinais de fadiga, dirijo-me para ele e leio a palavra certa. Hotel.
Entro, estou mais do que preparado para uma nova aventura. Tenho até sexta sozinho comigo mesmo e com os meus pensamentos, tenho até sexta para desvendar a minha vida.
O dia da Guerra começou e eu não me sentia minimamente preparada para enfrentar os factos. Ainda a morte do meu avô me rasgava as artérias só de pensar. (sortudas as veias)
Esperei que alguém me viesse acordar e perguntar novamente se queria ir à escola, e como seria de esperar, eu responderia não; ou o choque foi de tal maneira grande que a ideia de sair sequer de casa e enfrentar a enorme multidão que me esperava era completamente impensável, ou a preguiça e o conforto falavam agora mais alto. Digamos que era a primeira.
Nada ouvi, estranhei as horas pelo sol estar tão alto e arrastei-me nas minhas pantufas do Snoopy até a cozinha. Estava a televisão apagada e tudo arrumadinho em silêncio – como se as coisas conseguissem falar, cabeça minha.
Em cima da mesa estava um guardanapo rabiscado e uma taça de cereais, com o saco ao lado.
‘Descansa bem e toma o pequeno-almoço. Nós achamos que era melhor não saíres por hoje, depois falamos contigo. Beijinho, Lou’
Louise é a minha mãe, que começou a ser tratada por Lou desde que eu nasci, pois me era difícil dizer o nome todo.
O guardanapo marcava para mim um adiamento da guerra e consequentemente um adiamento dos factos; da dor.
Passei a manhã toda a ver desenhos animados embrulhada numa manta a comer bolachas com manteiga. Almocei sozinha, como seria de esperar, e quando foi marcada a dita hora da Lou chegar, fechei-me no meu quarto, no calhamaço que é o meu computador – perguntei-me na altura quando viria o meu portátil, já tinham passado três meses e a companhia dizia que era só um.
Aí fiquei a ouvir música e a tentar escrever alguma coisa, mas tudo o que saía, além de ser deprimente, não tinha lógica e as palavras não se ligavam entre si.
Eram sete horas e a minha mãe chamou-me para jantar, massa com carne picada e outras coisas mais, tipo frango, queijo e chouriço e umas coisas verdes que nunca soube o que eram, uma invenção dela. Achei estranho por ser tão cedo, mas ainda bem que o foi, quanto mais coisas tivesse que fazer, menos tempo passava a pensar nele.
Mantive-me silenciosa e observadora ao jantar, rezando a todos os deuses que não se falasse sobre o destemido tema, o tema da Guerra.
Haja deuses ou não, consegui adiá-la pelo menos por mais uma hora, até o meu pai chegar.
Quando ouvi a porta de casa fechar, baixei o som da música que estava a dar e encostei o ouvido à porta.
- Vou falar com ela. – Exclamou a voz grossa do meu pai.
- Não, por favor. Ela parece estar bem assim. Não queiras piorar as coisas. – Como se fosse possível ficar pior.
- Tens a certeza?
- Sim, é melhor.
Ouvi passos a aproximarem-se da porta e saltei para cima da cama e fingi que cantava a música que estava a dar. Nem imagino a figura que fiz, a porta não se abriu.
Sabia que não tinha vencido a Guerra, mas também não tinha perdido. Como tu disseste outrora, embora não a tenha vencido, sobrevivi sem derramar uma única gota de sangue, e as armas foram baixadas. A única diferença é que para mim, elas se levantarão amanhã.
Neste momento a música soava: ‘The world is so wrong’
~ E'le
De que é que me vale a pena continuar a lutar numa batalha que eu tenho a certeza já estar perdida?
De nada, bem sei. O problema é que ela faz com que eu queira continuar a lutar, ela faz com que eu nao queira desistir so para ter a certeza do veredicto final, só para não me arrepender mais tarde de não ter ficado para ver o desfecho da peça.
O pai dela estivera ali a perguntar coisas que era melhor nunca aparecerem á supreficie, fizera perguntas para as quais nao pode obter respostas, procurara demais e pedira demasiado. Não há nenhuma maneira de lhe explicar tudo o que se passa e é completamente impossivel para mim desistir da demanda que me ofereceram como prenda, ou maldição.
Ela, neste momento, é o verdadeiro problema. É ela que me faz ficar descuidado com a minha segurança, com a minha descrição, com tudo o que me pode fazer permanecer invisivel para os olhos do mundo, da sociedade, da mudança.
Sentei-me no chão, nao sei para onde ir, não faço a minima ideia do que é certo e errado. A unica coisa de que tenho a certeza ´de que continuo vivo e que o amanhã, ou depois de amanha, vai acabar por me dar todas as respostas de que preciso. Quer sejam ou não do meu agrado.
My mind is my worst enemy.
My mind leads me to do things I will never believe in, my mind leads me to say things I will never feel.
My mind prays for my death and I will forever pray for my life.
Will you understand if I told you that Death was, onde upon a time, one of my wishes? One of my wildest dreams?
Well done, now I'm totally lost in old memories, please let me save, I'm outta time - we will need to get it done quickly.
Bye, bye, I will always love you. I promisse I'll be back - after I lead my enemys to the emptiness.
Suicide.
We can't escape. We are blind. And if we don't have no one to hold us back, nothing can stop us.
Even if we don't, even if we find someone to help us and make us laugh, our mind will find a way to run away and to get there, to torment us with all the sadness that we want to hide.
This will become a cicle. We don't commit suicide, but we don't live as we should.
And it will go on over and over again; till we get old and lost in our memories; few ones.
But what for?
We don't die, but we don't live.
'Time' I'll beg, 'Stop, please. Take me back to the start'
To late for apologizes.
We wont need to kill our selves because life will do it for us.
O espasmo que surgiu em mim acompanhado de um bafo desesperado e pintado por palavras que nem soube quais, rapidamente se silenciou quando reparei que ele não tinha voltado e que o meu desejo e a minha raiva, que agora se tornava notavelmente maior do que o desejo, haviam acalmado.
Confirmei olhando novamente, era difícil ver com a chuva que se intensificou.
Era o meu pai.
- Que é que estás aqui a fazer? – implicou, levantando-me a mau jeito, tocando-me ao de leve para não se sujar na lama; tal foi inevitável quando me desequilibrei e ele teve de me agarrar.
- Vim dar um passeio e desmaiei. – Tentei disfarçar, inutilmente.
- Não tinhas nada que er a carta… - falou mais para si do que para mim. As suas feições cansadas e os seus olhos semicerrados olhavam-me com um toque indecifrável.
Nada mais me disse, levou-me para junto da rua, perto de uma loja de roupa para gente idosa, ou digamos, um gosto clássico, demasiado clássico; e puxou um guarda-chuva para nos abrigar. O meu olhar baixo não foi suficiente para me esquivar á reacção da minha mãe, que tremia por todos os lados – seria do frio?
Levaram-me para casa, tomei um banho vagaroso, aproveitando cada segundo para lavar a minha imundice profunda.
Ouvi as vozes misturarem-se fora da divisão. Com medo de ouvir algo indesejável, mergulhei a cabeça na água límpida que me envolvia num abraço suave e tão frágil.
Quando saí, já de pijama vestido, corri para o meu quarto sem ninguém notar, fechei a porta e desliguei a luz. Desejei que com sorte, nenhuma pergunta seria feita e que o assunto seria esquecido; desejei que nenhum comentário fosse escolhido para ser proferido.
Ouvi o ranger da porta, um suave beijo na testa, palavras demasiado baixas e novamente o barulho da porta a mover-se, acabado com um clique final.
Pelo menos hoje.
O ‘Amanhã’ seria outro dia.
~ E’le
Heart-a-beatin', tickin' like a bomb
After having seen all that they saw
It's hard to imagine, it's hard to imagine...
Tenho cinco minutos para me levantar, lavar a cara, e encarar com toda a coragem as consequências das minhas escolhas. Não importa o que vou encontrar quando abrir os olhos e enfrentar a maldita da claridade, não posso é esquecer que tudo o que vir fui eu que criei, fui eu que escolhi ver estas imagens. Foram as minhas escolhas que condicionaram o que quer que aconteça quando abrir os olhos.
Tenho de estar mentalizado, ora porra! Porque é que não consigo aceitar que fui eu quem a mandou embora?
Abro os olhos com calma, não quero de maneira nenhuma ver demasiado rápido se o que se mostrar for mau demais.
Nada. Quem é que eu quero convencer? Não podia estar à espera que ela estivesse inclinada sob o meu corpo com um machado na mão pronto a atacar, é certo que a mim me está a doer como tudo - quase como uma facada constante - mas isso não significa que para ela esteja a ser uma tortura de calibre igual!
Levanto-me da cama com calma, arrasto-me vagarosamente até à janela e abro os cortinados de par em par, preciso da luz, pode ser que ilumine o caminho que vou ter de percorrer ao longo do dia, é que não faço mesmo a mais pequena ideia do que deva fazer a seguir.
- Mãe? - chamo-a cautelosamente, sem fazer muita confusão - só espero não a acordar se estiver a dormir.
- Diz?
- Vais sair de casa?
- É claro! Que pergunta mais idiota! Afinal, o que é que se passa contigo? Eu bem digo que tu não andas bem! - ela depositou em mim um olhar preocupado. Credo, é uma mulher mesmo bonita, agrada a vista, afaga os olhos, enche-me de orgulho reclamando apenas por orgulho em troca.
- Vou saír daqui a bocadinho, tenho de ir tratar do assunto da casa... tu sabes... falar com Ele. - esitei um pouco, bem sei que ela deteste que eu vá falar com Ele sozinho mas, o que tem de set tem muita força.
- Tu é que sabes, a vida é mesmo tua. - encostei os lábios na fonte dela e apertei-a rapidamente contra o meu corpo só para a guardar comigo enquanto estiver fora de casa - preocupa-me não saber dela durante muito tempo - - Gosto imenso de si, Dona Joaquina. Cuida-te mamã. - a minha voz soou mais a uma súplica do que a uma ordem mas a verdade é que quero que ela a entenda como isso mesmo, uma mistura de ambas.
Saio para a rua e caminho um bocadinho, apanho o autocarro, saiu na paragem 3, entro dentro da velha casa guardiã da vanguarda da cidade e peço para falar com Ele.
Ele abre-me a porta cautelosamente, oferece-me um olhar de reconhecimento, deixa-me entrar e permeti-me encarar o ambiente tão familiar que o rodeia desde que me lembro de o conhecer.
- Está tudo bem?
- Fantástico. Senta-te, temos muito que falar. O pai Dela esteve aqui.
Uma corrente de ar repentina acaba de encontrar o meu resguardo e está a gerar a maior confusão dentro de mim, ela, o pai dela? Será que ele descobriu alguma coisa? Não é possivel! Eu tenho sido muito discreto.
Recosto-me na cadeira preparado para ouvir uma longa história. Ela, como sempre, é a personagem principal.
Strings @ ~
ele
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the other's lives are always better
can't take my eyes of you